25 anos de vida sem futuro




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Tão bonito ver hoje em dia um assunto tão badalado, que esteve sempre presente na sociedade portuguesa, e que faz as delicias dos quotidiano de jornais, blogs, redes sociais etc...

Aqui há dias via num blog de uma amiga de infância uma entrevista a alguém que sofre desse mal tão presente (e que pelos vistos nunca sucedeu ou quem sabe se fingia que não existia) que é a Violência Doméstica.

Pois bem, infelizmente para mim durante 25 anos sofri desse mal sem que vizinhos, familiares ou autoridades deste país fizessem qualquer coisa para me proteger ou a minha mãe (cúmplice absoluta do que lhe aconteceu e a mim).

Grande parte das pessoas tem uma vincada opinião sobre o tema, porque acham (o achismo é um merda...sabem) que sabem tudo sobre o tema porque ouviram dizer, porque o sound byte é generoso e porque assim se juntam ao comboio daqueles que hoje "lutam" contra esse flagelo social. Com isto, sinto-me solidário e repugnado com todas as mortes físicas e com todos aqueles que sofrem uma morte em lenta agonia com os dias que passam em silencio sofrendo de forma atroz as consequências da agressão, física e verbal do produtor de tais ataques e tantas vezes com a conivência de tantos. 

Em tenra idade me apercebi que vivia numa família disfuncional :

- tinha um pai que se irritava por tudo e por nada e engolia as mágoas num copo de vinho ou cerveja, misturando muitas vezes com medicação para uma qualquer doença mental (sofria dos nervos era o que se dizia - mal eu sabendo que tinha um nome chamado stress pós traumático devido á guerra colonial);

- tinha uma mãe que era espancada constantemente e insultada onde quer que fosse, sem que ela própria tivesse  coragem de acabar com aquilo, arrastando me muitas vezes para os espancamentos de que eu era também vitima;

- considerava estranho ao principio, que os vizinhos do prédio evitassem conversas com a minha família e como tal também eu sofria essa ostracização que hoje de forma tão paladina e leviana há quem se agarre ao proverbial som da composição Violência Doméstica e também por aí tente brilhar....

- ia para a escola muitas vezes com negras dos espancamentos com um cinto da tropa grosso de lona e com uma fivela enorme, e com as mãos inchadas de ser espancado com um assentador (pedaço de madeira com cerca de 50 cm de comprimento e 15 de espessura onde com uma lixa um sapateiro afia as suas facas);

- vi a minha mãe ser esfaqueada com uma das facas de sapateiro e ir de ambulância para S. José, onde mentiu para que não lhe acontecesse nada pior;

-era insultado pelo meu pai constantemente e passava longas temporadas sem poder sair de casa por castigos sobre coisas que nem eu sabia que fazia;

- na escola era gozado porque fazia xixi nas calças e a minha professora Eugénia Talefe, tantas vezes pedia ao meu pai para não me bater por ser bom menino.... de nada valia;

- apesar de tudo e sempre numa lógica de sobrevivência pessoal conseguia ter até ao 4º ano de escolaridade notas acima da média impostas tantas vezes pelo medo de levar porrada em casa....

- lembro -me de quando me fui matricular no 5º ano na escola preparatória de Massamá, a minha mãe me ter levado lá e fomos com a mãe do V.H. e no caminho parámos na Bucha em Queluz e minha mãee comeu um bolo com um garfinho - á noite quando o meu pai soube da heresia da pastelaria houve mais uma sessão de discussão e pancadaria em casa; 

- por parte dos vizinhos nunca senti qualquer tipo de apoio ou solidariedade - por parte das autoridades á altura da GNR do Cacem e depois da GNR de Mira Sintra sempre senti indiferença e desprezo porque ia ali uma mulher queixar-se que levava porrada do marido  - afinal...isso até era normal.

- nos meus 13 anos nasceu a minha irmã - que não veio ajudar em nada o clima que já de si era "soberbo" e passei a ser mais bombo da festa até porque nessa idade fui incumbido muitas vezes de ser o seu cuidador e durante o seu crescimento tive que fazer algumas vezes de guarda costas para que ela não apanhasse pancada e no fim também eu ficava mal visto porque a protegia....

- até quase aos meus 25 anos sofri de tudo nas mãos do meu pai com a conivência da minha mãe, de vizinhos, família (que escolhia virar as costas) e autoridades...

Hoje em dia acho imensa piada a todos os paladinos que falam da violência domestica como se a conhecessem minimamente - tenham vergonha! Do alto dos meus quase 44 anos ainda vivo com esses fantasmas enterrados e amarrados na minha cabeça com a declaração de uma depressão em 2002 e que corrói o meu ser diariamente. Tomo medicação diariamente para me manter á tona, sou acompanhado por psicoterapeuta e boa parte dos "amigos" foram desaparecendo ao longo do tempo por circunstancias proporias da vida, mas também alguns com julgamentos acerca do que não sabem nem nunca experienciaram. A todos eles o meu obrigado - fizeram de mim uma pessoa melhor para comigo e pior para a sociedade em geral.

O meu castelo tem uma muralha alta e as vigias são estreitas e fortemente armadas...

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