O Trabalho e o direito ao Descanso

Hoje remeto este assunto para o Expresso Curto trazido por Filipe Santos Costa que traz uma interessante visão sobre o tema baseado num livro de Arianna Huffington :




"Já bebeu o seu expresso para pôr essa máquina a funcionar? E não acha estranho, ou pelo menos incómodo, que a máquina dependa da ingestão de estimulantes para arrancar de manhã? Sono e cafeína... pois... é "um romance complicado". E é ainda mais complicado se tivermos em conta que cada vez mais gente depende de comprimidos para dormir e de estimulantes para acordar. "O círculo perfeito de esgotamento mercantilizado", escreve Arianna Huffington. Quando algo tão natural e vital como o sono se torna uma indústria, algo está errado.


Breve enquadramento histórico: Arianna Huffington, empreendedora e fundadora de um dos mais importantes novos projetos de media norte-americanos - o Huffington Post -, teve há dez anos um colapso por exaustão provocada pela privação de sono e, desde então, tornou-se uma especialista na matéria e ativista contra a cultura atual, que admira quem dorme pouco e premeia a ideia tonta de que dormir é tempo perdido.


Vivemos, escreve Arianna Huffington, numa "ilusão coletiva de que o excesso de trabalho e o esgotamento são o preço que temos de pagar para termos sucesso. (...) Sentindo que o dia não tem horas suficientes, procuramos onde cortar. E o sono é um alvo fácil. Na verdade, perante esta definição implacável do sucesso, o sono não tem qualquer hipótese". A tese da autora é que precisamos de virar a equação. "Para prosperarmos de facto, temos de começar pelo sono."


Pense nisto: conhece de certeza pessoas que se gabam de dormir pouco - pode até ser o seu caso e é, todos sabemos, o caso de Marcelo Rebelo de Sousa. Pode ser o caso do seu chefe, do seu colega, do CEO da sua empresa. Ninguém os censura por isso, certo? Bill Clinton também era assim - dormia pouco e fazia gala disso. Até ao dia em que teve uma epifania: "Todos os erros importantes que fiz na minha vida foram feitos porque estava demasiado cansado." A autora de "A Revolução do Sono" tem uma tese radical: apesar desta glamourização testeronizada da ideia de dormir pouco, confiar em líderes (políticos, empresariais, seja de que setor for...) que se gabam disso é como confiar em líderes que se gabam de ser alcoólicos ou de tomarem drogas. Os efeitos são comparáveis, diz Huffington: a privação de sono, tal como o alcool ou as drogas, tolda o discernimento e leva a muitas decisões erradas (sem esquecer que todos provocam grande número de mortes, seja na estrada, seja no local de trabalho, sobretudo em ambiente industrial).


Mas a questão não é só a errada boa imagem da ideia de dormir pouco. A questão é também a pressão cada vez maior dos empregadores para que os funcionários estejam sempre disponíveis, e os avanços tecnológicos que fizeram com que muita gente passe a levar o emprego para casa, no smartphone. O "direito a desligar" vai ser um dos debates mais importantes dos próximos tempos do ponto de vista dos direitos laborais. Dormir voltará a ser uma reivindicação básica, como quando, depois da revolução industrial, os trabalhadores reivindicavam as 40 horas semanais com o slogan "oito horas para trabalhar, oito horas para descansar, oito horas para o que quisermos". A tese de Arianna Huffington é que a mudança de atitude passa pela consciência de cada um sobre a importância do sono, vai implicar provavelmente intervenções legislativas, mas também obrigará os empregadores a terem consciência de que cortar no sono dos funcionários tem mais custos que benefícios. O caminho, diz, é pela flexibilidade, incluindo a possibilidade dos funcionários trabalharem mais a partir de casa para evitarem as longas horas de deslocação nas grandes cidades. Mas não só. Há outras medidas "revolucionárias".


A Volkswagen passou a desligar os servidores de email da empresa trinta minutos depois de terminada a jornada de trabalho; outras empresas alemãs, como a BMW e a Deutsche Telekom, têm políticas semelhantes. O Huffington Post foi das primeiras empresas de Nova-Iorque a criar "salas de sesta" para os trabalhadores fazerem pausas durante a jornada de trabalho e a nova empresa de Arianna (Thrive) tem como política destruir os emails que os funcionários recebem durante as férias e fins-de-semana - quem envia a mensagem recebe um aviso de que "deve voltar a enviá-la a partir do dia X".


Ah, e convém resistir à tentação de estar sempre ligado - se não é o email do trabalho é a televisão, ou o Facebook, ou o Twitter, ou... Não só esta tentação cria um estado de ansiedade permanente, inimigo do sono, como os ecrãs dos telemóveis são especialmente eficazes a suprimir a vontade de dormir. A explicação é científica. "A luz suprime a produção de melatonina, a qual nos dá o sinal para dormirmos. (...) A luz azul, o tipo emitido pelos nossos omnipresentes dispositivos eletrónicos, é especialmente boa a suprimir a melatonina - o que a torna especialmente nociva para o nosso sono. Olhar para um dispositivo que irradia luz azul antes de ir para a cama pode servir como um estímulo de alerta que irá frustrar a capacidade do seu corpo para adormecer. (...) As pessoas expõem os seus olhos a este fluxo de fotões vindos destes objetos que dizem basicamente ao cérebro: 'fica acordado, ainda não é hora de ires dormir'. E depois são 22h00, são 23h00, é meia-noite, e você está a ver emails, a respoder a mensagens (...), à 1h00 vai ver mais coisas porque está acordado, portanto, porque não ver?, depois vai para a cama à 1h00, acorda às 6h00, porque são horas de ir para o trabalho, e isso dá cinco horas de sono. Soa-lhe familiar?"



À noite, durma sobre este assunto."


Obrigado por me terem trazido este miminho matinal :)


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