Delmira e outras histórias
(foto de Carlos Gamelas)
Perdura-me na memória a imagem de infância que cobria o rosto da Delmira naquele alcool que ela consumia (ainda consome ?) naquela aldeia da Sarnadela, ali perdida nos confins da Serra do Açor. As noites quentes de verão cheias de incógnita que chegavam na certeza de que no fim desse dia iria haver sermão ou missa cantada ali para os lados da fonte da aldeia.
Numa casa outrora dividida em duas por herança e que com o tempo se transformara num casebre, Delmira casara-se com o "Xabregas"anos antes de que resultara uma união nada feliz e pouco promissora com o nascimento da Nela, da Lili e da Sandra...tristes exemplos também veriam, numa história que mais tarde contarei, quem sabe.
Nascida do casamento do Bangelino com a Isilda, quis o exemplo do pai perdurar na filha e as raízes de um desequilíbrio alcoólico foram fazendo caminho. Delmira gritava com todos, empunhava a mão no ar gritando aos sete ventos as agruras da vida e os arrufos de uma relação que nunca o foi. Revoltava-se com todos e chorava muito também.
Na aldeia (como em todas, acho), todos ousavam criticar, mas nunca ajudavam e inclusive na Taberna do Zé da Fonte, os próprios bêbados que a frequentavam a criticavam..triste sina de facto.
Delmira chorava acima de tudo o fado a que estava condenada, a tristeza em que vivia, a malvada vida que a condenava a uma existência de trevas, o trabalho que não existia, as filhas que cresciam desgarradas, descalças e muitas vezes sujas e que cedo encontraram o garrafão de 5 litros - na aldeia ninguém ajudava....ousavam criticar apenas.
Com o correr dos anos, foi envelhecendo e a espaços mantendo o vicio com pouca ajuda ou até quase nenhuma por parte de quem devia...
Em 2015, passei na aldeia e não parei, mas lá estava a Delmira no mesmo sitio, ao fim do dia a contemplar um vazio como a sua vida, pensando sabe Deus em quê e com a mesma perspectiva de há 20 anos atras...
Fala-se de um país que se desenvolveu em infraestruturas...mas e a humanidade, qual foi o seu crescimento e que impacto trouxe á vida das pessoas..?..na Sarnadela, o impacto económico foi sempre para os mesmos, a humanidade decresceu...e a rua mantém-se com a excitante vida que sempre teve..e olho para a casa dos que me criaram (maltrataram de inúmeras formas,etc) e vejo mesmo miúdo introvertido que passava os dias entre olhar para os carros que passavam, o relido livro de Os Cinco e a sombria inexistência do tudo que se transformava em nada numa solidão atroz...
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